Kalouv: 15 anos de paisagens instrumentais e independência musical
- Fábio Drummond

- 30 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de out.
Por Fábio Drummond, 01/10/2025 às 09:20

Recife é um celeiro inesgotável de música, mas poucos grupos conseguem traçar um caminho tão singular quanto o Kalouv. Formada em 2010, a banda pernambucana se estabeleceu como um dos nomes mais relevantes do post-rock e do rock progressivo instrumental no Brasil, celebrando em 2025 seus 15 anos de dedicação a um som que fala por si só.
E foi no Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), Pernambuco, que o som etéreo e pulsátil da Kalouv ecoou para comemorar esse marco: 15 anos de história. No Palco Instrumental Paulo Rafael, montado no Parque Ruber van der Linden, carinhosamente chamado de "Pau Pombo" pela banda, o quinteto recifense celebrou seus 15 anos de estrada com um show especial, mergulhando pela terceira vez no FIG. "São 15 anos de Kalouv e estamos preparando um show muito especial pra vocês", anunciou o grupo em post no Instagram, convidando o público a se aquecer com casacos e cachecóis enquanto as guitarras de Túlio Albuquerque e Matheus Araújo teciam camadas de post-rock inspiradas em trilhas de videogames e soundtracks de cinema.

Formada em 2010 na efervescente cena recifense, a Kalouv – composta por Basílio Queiroz (baixo), Bruno Saraiva (teclados), Rennar Pires (bateria), Túlio Albuquerque (guitarra), Matheus Araújo (guitarra) e Saulo Mesquita (guitarra) – sempre navegou contra a corrente.

No Brasil, onde a música vocal reina absoluta nas rádios, playlists e festivais mainstream, emplacar um som puramente instrumental é um desafio hercúleo. "O mercado é carente para este estilo", desabafou o guitarrista Edi Roque em entrevista recente, ecoando uma realidade que afeta bandas como a Kalouv: a ausência de letras limita a conexão imediata com o ouvinte casual, e a falta de incentivos governamentais ou editoras especializadas torna a visibilidade um luxo.
Festivais dedicados ao gênero crescem – como o Instrumental Sesc Brasil, em São Paulo –, mas ainda lutam para popularizar o instrumental além de nichos, em um país onde o pop e o sertanejo dominam 80% das execuções em streaming, segundo dados da UBC (União Brasileira de Compositores). "É um espaço crescente, mas reflete os desafios do artista independente: financiamento precário e dificuldade em monetizar sem hits virais", analisa o baterista Tuto Ferraz, em matéria do Popline, destacando que bandas instrumentais como a Kalouv dependem de turnês exaustivas e redes sociais para sobreviver.
Apesar disso, a Kalouv se firmou como um pilar da cena independente brasileira, transformando obstáculos em combustível criativo.

Seu debut, o EP Sky Swimmer (2011), foi ovacionado pela crítica: eleito Record of the Week na rádio americana Fade to Yellow e resenhado pela britânica Rock-a-Rolla, o disco pavimentou uma trajetória que misturava post-rock com toques de math rock e psicodelia. "Apareceu em listas dos melhores álbuns de 2011 e rendeu indicações ao Prêmio Dynamite de Melhor Álbum Instrumental", recorda o release da gravadora Sinewave, que acompanha a banda desde o início.

O follow-up, Pluvero (2014), ampliou o alcance: entrou em rankings de sites como Miojo Indie e O Inimigo, e ganhou espaço em jornais como Correio Braziliense e Folha de Pernambuco.
A estratégia? Turnês incansáveis – 36 shows em 19 cidades só em 2016, incluindo o Sesc Pompeia (SP) e festivais como Coquetel Molotov e Abril Pro Rock – e uma identidade visual e sonora ancorada em referências geek, como games da Nintendo (Zelda, Castlevania), que ressoam com uma geração millennial ávida por narrativas sem palavras.

A resiliência se provou na transição de line-up e na pandemia. Em 2020, aos 10 anos, o grupo lançou o single "Talho", com letras pela primeira vez – cortesia de Dinho Almeida, do Boogarins –, simbolizando um "talho" na formação com a saída de Saulo Mesquita. "Era um desafio comunicar sem verbal, mas evoluímos com riffs repetitivos e retornos que contam histórias", refletiu a banda na Revista Continente, que destacou como o isolamento forçou adaptações via redes sociais, com campanhas como #KALOUV10ANOS para reconectar fãs.

Dois anos depois, o EP A Medida da Distância (2021) capturou o zeitgeist pandêmico: faixas como "Bolha" e "Cidades Desertas" exploram angústia e contemplação em 15 minutos de isolamento sonoro, gravado remotamente com participações de Victor Meira e Katty Winne. "É um passeio pelos dias atuais, medindo o vazio das distâncias", escreveu o O Inimigo, elogiando como o disco manteve a essência instrumental enquanto humanizava o processo criativo.

O álbum Elã (2017), ponto alto da discografia, consolidou essa maturidade. Produzido por Bruno Giorgi, o disco mescla shoegaze, dream pop e vaporwave, com faixas como "Moo Moo" (hoje com 135 mil streams no Spotify) e "Pedra Bruta" inspiradas em trilhas de jogos. "Cada audição revela novas camadas, uma jornada imersiva que eleva o instrumental a outro patamar", avaliou o Monkeybuzz, prevendo, acertadamente, um dos melhores do ano e um boost na carreira, com shows energéticos que adaptam conceitos conceituais para o palco, priorizando interação ao vivo. Com centenas de ouvintes mensais no Spotify hoje, a Kalouv não é um fenômeno de massas, mas um cult: tocou em palcos como Dosol (RN), Sesc Belenzinho (SP) e, claro, o FIG – onde, em 2025, o reencontro com Garanhuns selou uma década e meia de persistência.
Em um Brasil onde o instrumental é "marginalizado" por falta de espaços e políticas culturais robustas, como aponta estudo da ABEM sobre bandas de música, a Kalouv prova que a teimosia paga. "Adaptar-se e entender os limites impostos pela distância, ressignificar os novos desafios e transformá-los em arte", é o mote do grupo, extraído de seu bio oficial, que resume não só A Medida da Distância, mas toda uma odisseia sonora. Aos 15 anos, eles não param: o show em Garanhuns foi só o começo das comemorações, prometendo mais mergulhos em um oceano de notas que, sem palavras, dizem tudo.
Veja o clipe de Longa Estada Para o Outro:
Produção: Sarah Ahab.
Faixa 4 do EP visual "A Medida da Distância"

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