Sonja: A Rainha de Copas e a Arte de se Reencontrar
- Clara Mello

- 30 de out.
- 7 min de leitura
Atualizado: 1 de nov.
Por Clara Mello, 01/11/2025 às 08:40

Ah, queridos leitores da Revista Dissonância, preparem-se para uma edição que vai vibrar na frequência do blues mais autêntico e soulful! Nesta nossa terceira edição, temos o prazer de estampar na capa a incrível Sonja, a cantora carioca que transforma dores pessoais em melodias que tocam a alma. Eu, Clara Mello, tive o privilégio de bater um papo exclusivo com ela e, olha, foi daqueles encontros que deixam o coração quentinho, cheio de risadas e reflexões profundas.
Sonja é daquelas artistas que não só cantam, mas vivem cada nota, é daquelas que cantam com a alma, rasgando-a em notas, costurando-a em acordes e nossa conversa fluiu como um improviso de jazz: honesta, emocionante e com pitadas de humor que só uma alma expansiva como a dela poderia proporcionar.

Carioca de nascença e blueswoman por essência, ela chega à capa da Revista Dissonância como quem atravessa o espelho: inteira, vulnerável, vitoriosa e mais viva do que nunca. A partir de agora, vamos mergulhar nessa jornada musical e pessoal que a levou dos palcos infantis aos festivais de blues, passando por tarôs, espiritualidades e uma banda que é praticamente família.

Imagine uma menininha de 6 anos, no banho, cantarolando sem parar, quando a mãe bate na porta e anuncia: "Vambora, você vai se atrasar pra aula de canto!" Foi assim que Sonja, nascida em 1º de outubro de 1992 no Rio de Janeiro, deu os primeiros passos na música, ou melhor, as primeiras notas.
"Eu já era expansiva desde criancinha, dançando e aparecendo"

Ela nos conta com um riso contagiante durante nossa entrevista. Sua mãe, Louiza, foi a grande incentivadora, percebendo o talento nato e a inscrevendo no Centro Musical Antonio Adolfo, onde Sonja não só aprendeu a cantar, mas também subiu ao palco em shows de meio e fim de ano. "Minha mãe ia em todas as apresentações e me dava dicas como 'se solta no palco!', porque eu era dura feito uma vara verde", relembra Sonja, imitando sua pose infantil rígida.

Essa influência materna vai além: Louiza ajudava a criar roupas de palco, filmava tudo e construía a confiança da filha. É fácil de perceber essa relação mãe e filha numa constatação dita pela Sonja, com aquele tom de gratidão que nos emociona:
"Ela me ensinou a ser grande, a olhar para as pessoas sem vergonha"
Formada em Psicologia, Sonja até integrou música em terapias com crianças, mas o canto sempre foi sua essência. Influências iniciais? Do sertanejo do pai Flávio (Sérgio Reis e Bee Gees) ao rock do irmão Bruno (Pearl Jam, Nirvana, Led Zeppelin). Aos 12, inspirada por Janis Joplin, formou sua primeira banda só de meninas – um prenúncio da força feminina que marca sua carreira.

Sonja mergulhou no blues por volta de 2014, mas foi em 2015 que fundou a Caravana Cigana do Blues, uma banda que nasceu de encontros casuais e química instantânea. "Não foi planejado, foi tipo 'a gente ainda vai fazer algo juntos'", conta ela sobre conhecer Marcos Lacerda (seu guitarrista e produtor até hoje) após um show da Laranjeletric. Logo veio Luca Nerori, um guitarrista de rua que a impressionou, e uma gig improvisada na Barra com uma lista de 20 músicas que ela aprendeu da noite pro dia. "Eu não conhecia nenhuma, mas falei 'claro!'", ri Sonja, destacando sua "cara de pau" artística.
A banda começou como uma roda de blues aberta, convidando outros músicos, e evoluiu para um grupo de sete integrantes, incluindo o saudoso percussionista Bruno Zé. Ela explica:
"A ideia era levar o blues para todos os lugares, como uma caravana cigana itinerante"

Eles tocaram em festivais como o Mississippi Delta Blues Festival em Caxias do Sul e RJ, e casas icônicas como Circo Voador e Teatro Rival. Essa fase foi crucial: "Me formou como musicista e me mostrou o caminho que eu queria seguir no blues". Sonja orgulha-se de ser uma das fundadoras, e a banda abriu portas para colaborações com lendas como J.J. Jackson, Little Jimmy Reed e Otavio Rocha.
“Queríamos que o Blues saísse do nicho, chegasse em mais gente. Por isso a ideia da caravana — cigana, livre, que leva o som por onde passa.”

Um dos temas mais tocantes em nossa conversa foi a espiritualidade de Sonja, que permeia sua música sem forçar barreiras. Nascida judia, ela carrega orgulho imenso de sua ancestralidade: "O judaísmo é minha raiz, minha comunidade, minha história – vai além de religião". Mas a Umbanda entrou em sua vida como um guia amoroso. "Me acolheu em momentos tortuosos; só saí de pé graças a ela", confidencia. Não é uma "troca" de crenças, mas uma integração: "A espiritualidade vai muito além de rótulos".
No Brasil, onde a intolerância religiosa persiste, Sonja se entristece profundamente. "É perigoso, como padrões de inquisição se repetindo", reflete, mencionando perseguições históricas ao judaísmo e à Umbanda. Sua mensagem? Transmitir amor através da música:
Eu ainda estou aprendendo a lidar. É um tema que me dói muito. Então o que posso fazer é cantar o oposto disso — cantar o amor, a cura.
Em tempos de desconhecimento, ela usa sua arte para curar e questionar, sem pregar, apenas existindo autenticamente: "Quando emanamos o bem, mudamos coisas".
Rainha de Copas: Um Álbum de Mortes e Renascimentos

Lançado em agosto de 2023, Rainha de Copas é o coração pulsante da carreira de Sonja. Produzido por Marco Lacerda e coproduzido por Ygor Helbourn, o álbum mistura blues, soul, rock e MPB, inspirado em uma tiragem de tarô de sua cigana guia. Cada faixa representa uma carta, narrando a jornada de superação de vícios e relacionamentos abusivos. "É sobre fins de ciclos – mortes simbólicas que abrem recomeços", explica Sonja. Faixas como "Calma", "My Baby" e a extra "Better Days" (inspirada na carta da Morte) falam de dor insuportável que vira luz.
Sonja é franca sobre sua luta: "Não superei o vício; luto todo dia contra essa doença". A música atuou como terapia: "Transformar caos em beleza, sem romantizar, é cura". Durante a pandemia, ela reuniu composições antigas e viu a costura: drogas e relações tóxicas se entrelaçando. "A cigana disse que eu era a Rainha de Copas e tinha duas escolhas: luz ou trevas", conta.
“A dicção não é algo que se cura. É uma luta diária. A música me ajudou a reorganizar a mente, o corpo e a alma que estavam em caos. Ela é minha musicoterapia”
Foi essa mesma cigana que, ao tirar a carta da Rainha de Copas, a alertou: ou a luz, ou a escuridão. “Eu escolhi viver”, diz Sonja.

E viveu, com um caderno nas mãos, transformando feridas em versos. “Às vezes eu escrevia sem entender. Só depois percebia o que aquela música queria me dizer. Era o inconsciente me curando”.
Influências? Etta James, Koko Taylor, Janis Joplin, Elza Soares, Gal Costa, Tina Turner, Liniker – vozes fortes que ecoam em sua autenticidade. Shows recentes, como no Teatro Brigitte Blair em Copacabana e no Jazz Village em Penedo, mostram o álbum vivo: intimista, com releituras de Tim Maia e participações como a do guitarrista Brugger. Fãs se identificam: "Recebo mensagens de gente chorando e se curando com as músicas", diz ela, com olhos brilhando.
Orgulhosa de sua identidade LGBTQIAPN+, Sonja fala sobre amor com naturalidade e força:
“Eu celebro o orgulho todos os dias. Mesmo se eu não fosse, celebraria. Porque celebrar o amor é celebrar a vida.”
Para ela, existir já é resistência: “Em muitos lugares, a gente não pode ser quem é. Então, se temos a chance de existir assim, que a gente exista sem vergonha. Amar quem você quiser já é uma luta pela liberdade”.

Sua identidade influencia tudo: "Todos nós somos seres individuais com personalidades individuais, eu acho que isso influencia as minhas composições porque sou eu escrevendo, né? Não tem como quem eu sou, não influenciar as minhas composições, é impossível".
Dez anos de estrada, e a chama continua acesa

Comemorando uma década com sua banda – Marco Lacerda (guitarra e produção), Pedro Leão (baixo), Tiago Didac (percussão) e Edu Coimbra (bateria) –, Sonja chama-os de "presente de Deus". Uma irmandade musical forjada em fé, estrada e suor: "Nossa conexão é bonita; parece uma vida inteira".

Foram festivais, turnês, dois discos de estúdio, EPs e agora, o lançamento do Rainha de Copas – Ao Vivo. E quanto ao planos para o futuro? “Os planos para o futuro a gente faz aqui no presente esperando que a gente possa colher coisas no futuro, continuar plantando também no futuro, mas o futuro só a Deus pertence”.
A Rainha de Copas sorri
No fim da conversa, ao perguntar o que ela diria à Sonja que viveu seus dias mais sombrios, ela ri com ternura:
“Eu diria: ‘não bote um cigarro na boca’. De resto, nada. Porque tudo que vivi me trouxe até aqui. A vida sempre age da melhor maneira pra gente — mesmo quando a gente não entende.”
E é impossível não concordar. Sonja é uma mulher que canta o caos e o transforma em beleza. Que enfrenta o escuro e ilumina o caminho com a própria voz. A cada acorde, ela reafirma o que o Blues sempre soube: a dor passa, mas a alma que canta, essa nunca deixa de existir.
Sonja além de cantora é uma contadora de histórias que usa o blues para curar feridas coletivas. Como ela diria para si mesma no passado sombrio: "Não bote um cigarro na boca – de resto, sem arrependimentos!" (Risos nossos).
Sigam-na no Instagram (@sonjamusica), Spotify e site (sonja.com.br) – e preparem-se para se emocionar. Até a próxima edição, dissonantes
Veja o clipe de Devil in a Woman's Skin:
Uma produção da Produtora Íris - Eye Films LTDA 2022
Música: Sonja
Diretor: Nityam
Produção executiva: Giovanna Marques, Nityam & Sonja
Assistência de Produção: Lara Zeiden & Joshua Moraes
Câmera 1: Caio Bravo
Câmera 2 & Drone: Nityam
Diretor de fotografia: Nityam
Assistência de Fotografia & Still: Joshua Moraes
Figurino: Maria da Penha de Oliveira
Maquiagem: Natalie Ann Truman
Edição: Nityam
Colorista: Nityam
Assistência de Edição: Cristiano Ludolf & Giovanna M.
Finalização de efeitos especiais: Cristiano Ludolf
Roteiro: Nityam & Sonja
Assistência de Roteiro: Lara Zaiden
Elenco: Sonja, Ilana Villar, Giovanna Marques,
Tai Luri, Juliana Haddad & Marcella Paskin
Produtor de Locação: Nityam
Locação: Búzios & São Pedro da Aldeia - RJ - Brasil
Revista Dissonância — Edição nº 3
Capa: Sonja – “A Rainha de Copas e a Arte de se Reencontrar”
Texto: Clara Mello | Fotos: Divulgação | Portal Dissonância 2025

_transparente_edited.png)



















Comentários